Atualmente a sociedade vive num momento da autoproclamação da “minha justiça”, o que isto quer dizer? Quer dizer que largamente gritamos aos quatro cantos do mundo o que julgamos justo para nós mesmos e muitas vezes isso não quer dizer que seja seu direito, ou ainda, que o seu direito seja soberano em detrimento de direito de outrem.
O tema da matéria deste mês envolve justamente essa problemática que assola a comunidade condominial em alguns casos, onde condôminos julgam ter o direito ao silêncio em detrimento do direito de uma criança com necessidades especiais, muito comumente autistas, em se desenvolver de forma segura, justa e digna, conforme assegura a Constituição Federal/88, Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/1990, bem como o Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei 13.146/2015.
A comunidade condominial deve se adaptar ao convívio com a criança com autismo – ou qualquer outra necessidade especial – e deverão se atentar às limitações e necessidades desses moradores.
Conflitos gerados no âmbito condominial invocam o direito ao silêncio diante da suposta perturbação ao sossego causado por barulho oriundo da criança autista, lembrando que emissão de barulho é característica comum às crianças portadoras do transtorno do espectro autista. Portanto, deverão tratar a questão com a devida flexibilidade, paciência e tolerância, mesmo porque a lei assegura que seu desenvolvimento deve ser resguardado por toda a sociedade, inclusive a comunidade condominial a qual está inserida.
Na Lei 13146/2015 estão elencados os direitos das pessoas com deficiência, dentre eles: direito à moradia (artigo 31), direito a inclusão social (artigo 1º), direito a igualdade e da não discriminação (artigo 4ª), dentre muitos outros.
É fato que os maiores conflitos ocorridos nos condomínios advêm da questão barulho. Porém, as crianças autistas passam por crises sensoriais quando a forma que possuem para externar suas sensações, desejos e emoções muitas vezes são através de gritos, gemidos ou até mesmo chegam a se debater. Essa é a forma que possuem de exteriorizar o que não conseguem falar. Portanto, é o padrão de comportamento do autista, involuntário e espontâneo, independe da sua vontade, não podendo se caracterizar como conduta nociva consciente, incomparável equiparação aos barulhos ocasionados por pessoas com discernimento dito perfeito.
Destarte, conclui-se que não se vislumbra respaldo legal para qualquer penalidade, tanto administrativa quanto judicial, ao barulho advindo de qualquer pessoa com necessidades especiais, nem mesmo aos autistas e seus tutores.
Muito mais que direito, muito mais que justiça, quando temos em nosso convívio a oportunidade de conhecer a realidade de uma pessoa com necessidades especiais, devemos abrir nosso olhar, nossa mente e nosso coração, para entender que aquela condição é mais difícil para ele que a possui do que para nós que estamos ao redor e havemos de todo o discernimento para entender e nos colocar no lugar de quem precisa ser visto com olhar diferenciado.
Fernanda Machado Pfeilsticker Silva é Advogada, Pós-graduada em Direito Imobiliário, Negocial e Civil e Pós-graduada em Direito Processual Civil. Atua na área do Direito Imobiliário – ramo condominial.
Imagem: Pixabay
Fonte: Condomínio SC