Especialistas e gestores explicam os motivos dos casos de violência nos condomínios tomarem proporções alarmantes nos últimos meses no Brasil
De Norte a Sul do Brasil é cada vez mais comum ler, assistir ou ouvir notícias sobre agressões contra síndicos de condomínios. Os casos tomaram proporções alarmantes nos últimos meses, colocando até mesmo a vida dos gestores em perigo. A função não é mais apenas repleta de responsabilidades, mas também agora se mostra ser de muito risco diante de violência verbal, perseguição, calúnia, difamação e violência física praticada em sua maioria por moradores, tornando ruim o convívio em comunidade.
Em março, na cidade de Águas Claras, no Distrito Federal, o síndico Wahby Khalil foi agredido com um soco no rosto por um instrutor de artes marciais dentro da academia do condomínio. Ele foi encaminhado para a UTI com traumatismo craniano. As câmeras de segurança registraram a agressão, e a cena teve repercussão nacional. No interior de São Paulo, dois síndicos foram assassinados nos últimos meses. Um deles, em Rio Claro, estava dentro do condomínio. O outro, em Jundiaí, foi morto na rua por um morador.
Mas, afinal, existe uma razão para que agressões desse tipo sejam tão constantes? Por que os síndicos são tão desrespeitados no exercício da função? Bacharel em direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pós-graduado em Direito Civil e Empresarial, o advogado Zulmar Koerich Jr., que é também autor dois de livros na área de condomínios, destaca o não cumprimento de regras como uma das causas.
“É perceptível que o (período de) pós-pandemia agravou a situação. Percebemos a atuação de moradores com histórico de agressão, seja doméstica, brigas de trânsito e bares, trazendo para dentro do condomínio esse comportamento criminoso. A autoridade do síndico representa as regras e é vista como um obstáculo aos indivíduos que desejam realizar as coisas conforme suas vontades, sem observar limites mínimos de convivência naquela comunidade”, destaca o advogado.
Em razão da atuação do gestor de forma constante e direta, criou-se a “política de intervencionismo obrigatório”, onde os condôminos fazem suas reclamações e querem a solução dos problemas de maneira imediata. Koerich Jr. considera que essa situação também impacta no relacionamento entre moradores e gestores.
“Os condôminos agressores identificam o síndico como um empregado insolente que deve estar 24 horas à disposição. As agressões mais comuns estão relacionadas à honra (calúnia, injúria e difamação). O síndico deve entrar diretamente em juízo com uma queixa-crime, pedindo indenização pelos danos morais sofridos. Os atos praticados contra ele também são passíveis de penalidades regimentais (advertência e multa), uma vez que são contra o administrador do condomínio”, completa Koerich Jr.
Lei do Stalking
Desde março de 2021, a Lei do Stalking (Lei 14.132) está em vigor e age sobre os casos de perseguição reiterada de forma física ou virtual. Ou seja, os síndicos têm mais um recurso jurídico para recorrer no caso de algum tipo de ameaça. A nova lei revoga o Artigo 65 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei n. 3.688, de 1941), que previa o crime de perturbação da tranquilidade alheia com prisão de 15 dias a 2 meses e multa.
A redação da Lei do Stalking trata de: “perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”. Essas situações podem caracterizar o crime tipificado no art. 147-A do Código Penal, que prevê pena de reclusão de 6 meses a 2 anos e multa.
Advogado e presidente da Associação de Síndicos do Estado de Santa Catarina (ASDESC), Gustavo Camacho aponta como os síndicos devem agir em situações de agressão.
“Produzir provas, mediante a comprovação testemunhal por meio de declarações, vídeos, áudios, conversas de WhatsApp, e-mails trocados entre os envolvidos. Com as respectivas provas, abrir boletins de ocorrência, requerer a representação com a abertura de termos circunstanciados em face dos ofensores, propor demandas junto aos Juizados Especiais Criminais (caso os tipos penais não sejam relacionados às ações penais públicas incondicionadas) e manejar ações indenizatórias”, explica Camacho.
Apesar das inúmeras possibilidades para se colocar um basta nas agressões, também é preciso saber lidar com elas. Para o presidente da ASDESC, os síndicos precisam se impor diante do agressor, porém, sem perder a razão e nem reagir na mesma proporção.
“Temos que escolher as batalhas que queremos lutar e o preço que pagaremos por defender os nossos ideais. É fundamental notificar o ofensor a fim de que se retrate da mesma forma com a qual promoveu a ofensa. Tudo aquilo que adubamos cresce. Há situações em que a nossa melhor vingança ‘é não nos tornarmos como eles’. Devemos saber exatamente quem somos, o que estamos fazendo e, sobretudo, por que estamos fazendo. Nem sempre reagir é a melhor conduta”, completa.
“Tentou arrombar a porta do meu apartamento”
“Eu já fui ameaçado e agredido na função de síndico. É algo terrível, amedrontador. Em um dos casos, após multar um morador por conduta antissocial, ele foi até o meu andar e tentou arrombar a porta do meu apartamento, gritou, xingou, fez ameaça de morte e quebrou as câmeras do condomínio. Sempre que nos cruzamos ele tenta me agredir”, o relato é de um síndico que prefere não se identificar.
Há um ano ele administra um condomínio em São José, na região da Grande Florianópolis. O espaço tem seis torres e o total de 300 apartamentos (50 unidades por prédio). São aproximadamente 900 moradores, mas os problemas enfrentados pelo gestor são com uma pequena minoria contrária à maneira como o local é administrado.
“O condomínio tinha muitas dívidas, além dos inúmeros problemas de manutenção que estavam atrasados. O fundo de reserva era quase nulo. Pedi ajuda ao Conselho Consultivo, mas alguns moradores que perderam nas eleições faziam parte e passaram a me perseguir, fazer complô. São uns 5% dos moradores que não sabem conversar, que não têm educação mesmo na presença da minha família. Meu filho pequeno e a minha esposa já pedem para que a gente se mude de lá”, afirma o síndico.
Conviver com situações que envolvem uma carga de estresse diária causa impacto direto na saúde. Apesar de estar somente há um ano na função, o síndico acumula inúmeros problemas relacionados à pressão da rotina diária à frente do condomínio em São José.
“Eu precisei procurar psiquiatra e tenho que tomar remédios para o controle de pressão arterial. Estou com um problema crônico no meu fígado, faço tratamento de saúde para combater uma cirrose medicamentosa devido à utilização de muitos medicamentos. Por ter tido que usar muitos remédios durante esse último ano, me deu labirintite, me deu pressão alta e tantos outros problemas a mais”, completa.
“Sorte sua que você é mulher”
Síndica profissional, Martinha Silva relata que sofreu ameaça de um morador após removê-lo do grupo de mensagens do condomínio que ela administra em Itajaí, no Litoral Norte de Santa Catarina. Ela aponta como lidou com o caso no local que tem três torres e 152 unidades, sendo que 60 apartamentos têm moradores fixos (o ano todo).
“Recebi algumas ameaças pelo WhatsApp. Foi porque removi um condômino do grupo de mensagens por não cumprir as regras que estavam bem claras. Ele enviou mensagem no meu número particular dizendo que minha sorte era ser mulher, senão iria me quebrar. Levei o caso como tema de reunião do Conselho e abrimos um Boletim de Ocorrência na Polícia”, relata.
Martinha, porém, acredita que o que ocorre dentro dos condomínios de maneira cada vez mais corriqueira é uma reprodução da sociedade como um todo.
“Acredito que é reflexo do Brasil atual, onde se normalizou a violência e a intolerância. As pessoas passaram a acreditar que resolvem tudo na base da força. Parece que houve um retrocesso em nossa civilidade. O síndico é tão desrespeitado no exercício da função porque representa autoridade e há uma afronta às autoridades de forma sistemática”, avalia Martinha.
A síndica enumera uma série de xingamentos e ofensas que já foram absorvidos pelos gestores ao longo da profissão. Martinha também fala sobre sabotagem dos próprios condôminos para atingir a administração, mas considera que boa parte dos moradores apoia o trabalho realizado para o bem da coletividade.
“Grosserias e ofensas são mais corriqueiras do que se imagina, aí tem as calúnias, e até violência física. Mas acredito que ocorre muita sabotagem também, e isso nem sempre é percebido. Exemplo: depredação de um bem do condomínio para punir o síndico, desrespeito às regras para afrontar o síndico, e por aí vai. Entretanto, penso que a maioria ainda vê o síndico como administrador do bem coletivo”, completa a síndica.
“Eu pago o seu salário”
No sexto ano de sindicatura, o administrador e especialista em finanças Sérgio Gouveia acaba de ser reeleito para mais dois anos de gestão à frente de um condomínio em Salvador, na Bahia. Ele, que garante não ter sido vítima de agressões, acredita que a maneira com que os moradores enxergam a função do síndico faz muita diferença no momento de se exigir respeito.
“Creio que muitos síndicos são vistos como empregados (no sentido pejorativo da palavra) que devem fazer o que seus patrões ordenam, pois estão lá apenas para servi-los em suas vontades. Quem nunca ouviu: ‘eu pago o seu salário’! É uma grosseria totalmente desnecessária, mas muitas vezes acontece. Mudar isso é uma tarefa que cabe aos síndicos e, também, às assembleias. Não tem como um ou alguns poucos moradores serem mais fortes do que a assembleia”, aponta.
No entendimento de Sérgio, o motivo para violência verbal, perseguição, calúnia e difamação estarem presentes no cotidiano dos síndicos se dá, em parte, pela banalização da resposta violenta a situações em que a pessoa se sinta contrariada ou ofendida, gerando um grau de tolerância excessiva com as pequenas agressões do dia a dia.
“O síndico vai deixando passar aquele tom de voz mais ríspido, aquela resposta mal-educada, depois aquele palavrão… A agressão física está apenas alguns degraus mais acima. Não creio que um ato violento seja um ato isolado, ‘do nada’, vejo como uma construção que une dois fatores: de um lado, os impulsos movidos por frustrações, raiva, decepções do agressor e, do outro, a ausência de medidas que restrinjam com firmeza condutas desrespeitosas”, afirma Sérgio.
O síndico destaca qual a melhor reação a ter diante de uma agressão como calúnia ou difamação. Para ele, também é importante fazer um comunicado ao condomínio sobre o ocorrido, sem citar nomes, salientando que a administração não compactua com eventos dessa natureza e que os responsáveis serão punidos.
“Recomendo lavrar um boletim de ocorrência em nome do condomínio. Se houver alguma outra sansão prevista no Regimento Interno, ela deve ser acionada. Comunicar a todos os moradores também é um ponto interessante. Se (o caso) ocorrer em assembleia, fazer constar em ata e em seguida acionar judicialmente o infrator. Se for fora da assembleia, reunir todas as evidências concretas possíveis e dar o mesmo encaminhamento na Justiça”, completa o síndico.
Tipos de intimidação
Confira o abuso de direito do morador em quatro níveis, de acordo com a gravidade da atuação e as medidas que podem ser tomadas como punição:
Abuso de direito puro e simples: O condômino interpela o síndico com insistência perturbadora, desrespeitosa e grosseira, fazendo-lhe exigências inoportunas, mas ainda sem acusações graves, trazendo certo desgosto ao exercício da função de síndico. Havendo excesso em menor gravidade, poderá o síndico, além de advertir o condômino, estabelecer restrições ao canal de comunicação entre ambos e determinar que somente o atenderá mediante relatos no livro de ocorrência, ou por e-mail, de forma que ao mesmo tempo em que se evita o contato físico, se constitui prova escrita do abuso.
Perturbação da tranquilidade: Neste caso, o condômino atua da mesma forma, mas com a intenção manifesta de prejudicar o sindico, de tirar-lhe a tranquilidade, chamando-o de incompetente, preguiçoso e outros adjetivos, exigir-lhe seguidas prestações de contas e esclarecimentos desnecessários. Aqui nós já temos a figura do assédio moral, tão utilizado no direito do trabalho.
Além dos mecanismos administrativos, poderá o síndico promover um registro de ocorrência perante a delegacia de Policial Civil, o que gerará um termo circunstanciado e o prosseguimento junto ao Juizado Especial Criminal competente.
Crimes contra a honra: Aqui intensifica-se ainda mais o excesso, de forma que acusações ou ofensas são levantadas contra o síndico atingindo sua honra de forma criminosa. Neste caso, constituindo em crimes contra a honra, deve o síndico, ao invés de fazer um simples registro de ocorrência, ingressar diretamente com uma ação (queixa crime) contra o ofensor, bem como ingressar com ação de indenização por danos morais, pedindo a respectiva indenização.
Ameaça e risco a integridade física: Este é o ápice da intransigência ou mesmo de agressão física já consumada. Neste caso, deve o síndico promover uma representação perante a delegacia de polícia pelo crime de ameaça e também poderá requerer ao juiz criminal uma medida cautelar de proibição de aproximação, prevista no art. 319, III do Código de Processo Penal.
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Fonte: CondomínioSC